terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Puta que pariu

Cacete. Tenho uma hora pra terminar esse roteiro do João. Da última vez que eu lhe falei pra esticar o prazo, ele quase me matou. Se eu atrasar dessa vez, cabeças vão rolar. Merda. Sou artista. Não nasci pra escrever esses roteiros. Nasci pra criar. Há alguns anos, eu tinha o sonho de escrever o livro, o filme, a peça de teatro. Ironia... não fiz porra nenhuma. Anos depois, fui parar no pornô, com garotas desfilando suas xoxotas pelo set de filmagem. Antes a coisa era diferente. As mulheres tinham pentelho lá embaixo, os filmes não eram tão pesados e todo mundo fodia com todo mundo. O pessoal no estúdio passava a mão na xana delas antes das filmagens e durante as filmagens. Nunca escrevi nada tão complicado como roteiro de putaria. Eram três frases, e uns gemidos. Tudo pra intensificar o negócio. E fazer meia dúzia de virjões tocar punheta na sala de casa, enquanto os pais dormem. Isso se chama sobrevivência. Tudo pra garantir a breja, o fumo e o ácido do final de semana.

Tempo depois, livrei-me do pornô. Fiquei em casa, cultivando o ócio e a preguiça. Li de tudo. Ouvi de tudo. Comi minha vizinha incontáveis vezes, de múltiplos modos. Até enjoei da buceta dela. Chupei-a de todo que é jeito. Comi de quatro, de ladinho, apoiado na mesa. Após gozar, bolava aquela trave e fumava. Chapado, queria uma breja pra rebater a foda. E pensar melhor. Artista. Porra nenhuma. Sou um bêbado filha da puta que tem medo de arrumar um emprego digno. Fico arranjando desculpas pro meu fracasso, pra minha derrota, pro meu desespero, pra minha angústia. Vou morrer sozinho. E pobre. No máximo meia-dúzia de putas irão entoar meu nome, no cortejo.

Ouço um barulho na porta. Vou até lá, abro e dou de cara com uma garota:

- E aí? – diz ela.

- Opa – falo.

- Ouvi um som vindo do teu apartamento.

Era de minha máquina de escrever.

- Pois é. Eu estava escrevendo.

Ficamos nos olhando por alguns instantes. Sugeri:

- Quer beber uma breja?

- Sei lá – sussurrou, fazendo-se de difícil. – Estou de boa, acho.

- Certeza?

Ela entrou.

Abri a minha. Dei uma bebericada. Acendi um cigarro. Quando estava na segunda tragada, perguntei se ela se importava com a fumaça. “Porra nenhuma”, disse ela. “De boa”.

Levantei-me e fui colocar um som.

- Joplin ou Doors? – perguntei.

- Doors – respondeu ela.

- Morrison era o cara – eu disse.

- Voz maravilhosa. Poeta. Gênio.

- Eu acho que ele não era músico.

- Era poeta, né.

- Aham.

Caminhei até meus discos. Eu ainda ouvia disco. Talvez eu fosse o único cara no planeta que cultivasse o hábito de apreciar o bom e velho rock and roll em vinil. Foda-se. A música se tornou muito artificial. Basta um clique na internet pra se ter toda a discografia do Floyd, ou toda a bibliografia do velho safado. Tudo bem, o acesso aos produtos culturais foram democratizados e tal, mas a era analógica me parece mais atrativa. Acredito que as pessoas passaram a ser mais preguiçosas depois da internet. Ou mais idiotas. Não sei bem ao certo. Contudo, parece-me que elas estão mais preocupadas com a foto que irão postar no instragram, do que com a breja. Se saem pra beber, tiram fotos. Aí, recebem curtidas de pessoas que nunca, sequer, lhes falaram uma palavra na vida. Todos são internautas da vida alheia, no século XXI. As mulheres são xavecadas por WhatSapp. E toda uma geração não sabe como deixá-las molhadinhas. Eles falam. E falam. E contam vantagem pra porra nenhuma acontecer. Então, abrem o google, vão ao Red Tube ou Xvideos e batem uma punheta. Putaria solta, que nenhum cérebro consegue medir.

Aqui estou eu. Quarenta anos. Formado há quinze. Bêbado, covarde, barrigudo, fumado, cheirado. Sou uma junção de loucuras e insanidades. Pratico o ócio meditativo todos os dia, por escolha. Os gregos o praticavam também. Inclusive, para ocupar um cargo de governante, em Atenas, era necessário que você fosse ocioso. Acho que nada pode ser mais enriquecedor do que a vagabundagem. Ser vagabundo é renunciar toda uma ordem que lhe foi imposta. É colocar o pau na mesa, e falar “porra, não quero saber disso, porque eu penso assim e negócio é assado”. Meu pau.  Já o enfiei em garotas perturbadoras. Gordas e magras. Drogadas e bêbadas. Malucas, desvairadas, insanas. Era difícil saber quem era o mais pirado. Eu ou elas? Provavelmente eu. Algumas se tornaram grandes amigas, como Flávia. Outras quase me mataram, como Jéssica. Ouve alguns telefonemas, de madrugada, que me fizeram refletir sobre a vida. Foram alguns dias sem conseguir fechar o olho, de medo. Medo de morrer. Medo de, sei lá... qualquer coisa. Você não sabe explicar o medo. Você o  sente e luta contra ele. Porque ele ainda irá continuar ali. Às vezes, o medo fica repelido no fundo da inconsciência. Freud dizia que a inconsciência é a parte onde nossos medos e desejos e fantasias ficam trancados. Cara maluco, esse tal de Sigmund Freud, bicho.

De repente, uma puta vontade de beijar a garota, que está em minha frente, me tomou.

- Cara – disse ela. – Como é o teu nome?

- Pedro. E o teu?

- Paula.

Fiquei parado. Bebendo e fumando. Porra, cara, cê é um merda mesmo. Não consegue largar o cigarro nem a pau. Fuma, fuma, fuma. E quando vê, já gastou todo seu dinheiro. Paula me pediu uma breja. Fui até a geladeira. Peguei uma pra mim, outra pra ela. Brindamos e bebermos.

- Cê já ouviu falar que tem aquele negócio de que se não brindar a breja, é sete anos sem trepar, né? – ladrei.

- Como é que é?

- Se não brindar, é sete anos sem trepar.

- Porra, que bosta.

- Foda, né?

- Ainda bem que brindamos.

- Acho que devemos brindar de novo.

Bridamos mais uma vez. Agora rolou um clima. Não é possível. Ela vem até aqui. Entra, senta, pede pra eu ligar o som. Diz que não bebe, depois aceita uma breja. Vai entender essas jovens. Paula não era nem estonteante, nem horripilante. Tinha seus atributos. Era boa de conversa. Gostava de Doors, Hendrix, Floyd, Zeppelin. Descobri que ela era poetisa. Artista. Mente libertária, preparada pro ócio. Pro pensamento. Pra critica. Caralho. Paula era demais, constatei. Eu tinha idade pra ser pai dela. Vinte anos mais nova. Bucetinha apertada, linda, maravilhosa. “Verdadeiro esconderijo”, pensei.

A gente foi se achegando. Foi inevitável. Beijamo-nos. Senti sua boca molhadinha, seu cheiro de rainha da foda, seu cabelo deslizando sobre minha camisa, sobre minha cara. Pedro, seu imbecil. Não vá se esquecer da merda do roteiro. Cara, eu sei que esse negócio de escrita forçada não é tua praia. Você é artista. Você vive e age como um.  João vai te matar, seu débil mental, se você não escrevê-lo. “João, não consegui terminar o roteiro. Foi mal”, não vai colar. Se prepare. Ou melhor, escreva de uma vez. Ao invés de você passar o papo em mais uma gostosinha, você deveria sentar a tua bunda na máquina de escrever e escrever a porra do roteiro. Tão te pagando bem pra isso. E nada. Você prefere tomar ácido, cheirar cocaína e encher a cara, né?

Filha da puta.

Bolei um fino. Paula deu uns pegas. E fodemos. Ela tirou meu pau pra fora, e pagou um boquete sublime, sensacional, esplendido. Do caralho, literalmente. Após a copulação, ela foi embora. Enfim, sentei em minha máquina. Coloquei a folha, e bati a primeira frase. Saiu. Tá vendo, cara. É simples. Escrever esse curta é sossegado. Você o faz pra poder viver, lembrou? Tua vocação é a literatura. Acho que nunca escreveu um livro por que sempre ficou escrevendo peças e roteiros inúteis. Mas o que é que tem? Henry Miller começou a escrever aos 40. Primeiro ele viveu. Depois, escreveu. Rimbaud fez o contrário. Primeiro ele escreveu. Depois, viveu. Foi à África. Caceta, tô me sentindo um Stephen King. Escrevendo lixo pra viver. O desgraçado do publicitário que me pediu o curta deve tá transado com uma belezinha por aí. E eu aqui... fervendo meus neurônios, andando com um Puma 1978 há três anos. O carro já tá todo fudido. Motor saindo fumaça. Outro dia, Pedro, cê parou num sinaleiro e quem disse que o carro ia funcionar. Uma bela de uma merda, bicho. Cê sabe. Todos ficaram te olhando. Certeza que naquele dia cê sentiu vergonha de ser pobre.

O telefone tocou. Era Flávia:

- Alô – eu disse.

- Olá – respondeu ela.

- Como vai?

- Tô escrevendo um roteiro de merda.

- ahahahaha – ela riu. – Mais um desses trabalhos pra poder viver?

- É, né – falei. – Fazer o quê?

- Seguinte: eu queria te convidar pra beber uma, dar uns tiros, fumar um.

- Quando?

- Amanhã. Vou deixar cê terminar esse roteiro.

Gargalhamos.

Escrevi umas quinze páginas. Até que não ficaram tão ruins. Claro, não é nem de longe seu melhor trabalho, Pedro. Só que pra quem enfrentou um bloqueio criativo, tá ótimo. Melhor impossível. Agora, vá dormir. Amanhã, reunião. Dá última vez, cê tava chapado. Não conseguia formular uma frase. Dava risada à toa. Mordia a cara. Parecia um maluco que fugira do manicômio. Ginsberg ficaria feliz, ao ver aquela cena. Sempre vou, às reuniões, levemente fumado pra poder segurar a onda. E pra, também, conseguir ter paciência com o cliente. Eles sempre me acusaram de ser rude. Então, dou uns pegas e vou zen. Quando a maconha é boa, basta umas três bolas pra relaxar. Todos lá estavam prontos. Vestiam terno e gravata. Eu estava de all star, um blazer preto e uma camisa desbotoada, com os dois últimos botões e uma calça jeans surrada. Sentei-me e joguei na mesa o roteiro. João deu uma lida. Olhou pro diretor de marketing, que olhou pra gestora, que olhou pra mim com uma cara de bosta.

Foda-se. “Meu trabalho tá feito”, pensei.

É, teu trabalho tá feito, mesmo. Agora fique tranquilo, dê uma risada, converse com as pessoas como se fosse um cara normal. Pedro, cê é um cara normal. Às vezes cê dá uma rata, mas é normal. Qual maconheiro que não dá rata? Não existe.

Apertei a mão da galera. Eles estavam satisfeitos. João deu uma lida no roteiro. Gostou. Melhor fazer publicidade, do que pornô. Cê teve a oportunidade de mudar de ramo, porém não quis. Batia no peito, e dizia “sou diferente, sou artista”. Tá vendo. Eles com grana, e você contando-a.

Puta que pariu!

Nenhum comentário:

Postar um comentário