sexta-feira, 20 de março de 2015

Democracia e revolução

Equipe alvinegra vivenciou experiência democrática no início dos anos 1980



O Corinthians revolucionou a estrutura do futebol, na década de 1980. Ali, vigorou a Democracia Corintiana. Os jogadores, por meio de voto democrático, escolhiam qual seria a equipe titular e quem seria contratado pelo clube. Vicente Matheus, praticamente expoente do coronelismo no alvinegro, saiu da presidência, após longos anos no poder. E para o seu lugar viera o sociólogo Adailson de Oliveira, que nunca tivera experiência com cartolagem.

Adilson passou a ouvir os jogadores. Sócrates, intelectual e politizado, e Vladimir, dono de fortes convicções políticas eram alguns dos integrantes do elenco. O timão vinha de um período obscuro, sem grandes feitos futebolísticos. Amargara a vigésima quinta colocação no campeonato paulista, o que lhe fez cair à segunda divisão do campeonato brasileiro, cuja composição das divisões se dava por meio dos campeonatos estaduais.

Sócrates – médico e cabeça pensante do movimento – era leitor voraz. Lia clássicos, como Antonio Gramsci. Não se conformava com a disparidade social do Brasil. Citava Cuba, como fez em uma de suas últimas entrevistas, concedida à jornalista Marilia Gabriela. Para o doutor, “todos em Cuba tem acesso aos bens básicos, como comida, saúde e educação”, disse.

Luís Guilherme Tavares, estudante de Engenharia Elétrica da UTFPR, e torcedor do Corinthians desde criança, afirma que poucas seriam as chances de haver um movimento como a Democracia Corintiana nos dias atuais. “Pedir intervenção militar na democracia é fácil. Difícil é o contrário”, desabafou. Sobre Casagrande, Luís disse que não o viu jogar, mas “é a cara do Corinthians”.

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O publicitário Washington Olivetto resolveu explorar a popularidade do timão. E daí nasceu o clássico dizer ”Democracia Corintiana”, que dera visibilidade midiática ao clube. E ao mesmo instante chacoalhou os militares que já estavam desgastados no poder. Logo em seguida, a frase saiu da camisa alvinegra. Sobre a visibilidade midiática, Luís disse que deu mais visibilidade. “Acredito que ganhou mais visibilidade, sim. Mas no bom sentido”, afirmou.

Nesse instante, havia alguns personagens relevantes na cena política. O PDS, partido aliado ao regime, lançou a candidatura de Paulo Maluf. A oposição uniu-se, saiu às ruas, e clamou pela redemocratização. Várias personalidades de diversas correntes de pensamento deram as mãos. 

Sindicalistas, intelectuais, políticos, jornalistas eram presença quase garantida nos comícios. O jornalista Ricardo Kotscho, em sua obra Explosão das Diretas Já!, retratou as expectativas da população. Todos almejavam e sonhavam com um futuro melhor. Os textos do jornalista foram publicados na Folha de São Paulo. “Não havia como não se posicionar”, escreveu Kotscho, no início da obra - referindo-se ao momento que o país atravessava, e ao mito da imparcialidade jornalística.

Saída do doutor

Sócrates disse que iria deixar o Brasil, caso a Emenda Dante de Oliveira não fosse aprovada. E ela foi recusa pelo Congresso. O doutor foi jogador na Itália, na Fiorentina. Anos depois, Sócrates falou que se interessava mais pelos museus do que pelos campos de futebol. “Foi uma enriquecedora experiência”, narrou.

Com sua saída, a Democracia sofreu um baque. De repente, o mentor, líder, democrata, romântico, intelectual estava fora. O que fazer? Como proceder? A Democracia continuaria? Ela não continuou. Acabara pouco tempo depois que o doutor deixou o Parque São Jorge. E até hoje, o futebol não experimentou uma experiência assim. E é bem possível que nem experimente.


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