quinta-feira, 6 de julho de 2017

Maradona, el diós de la pelota

Diego Armando Maradona é o cara que curtimos odiar. Claro que há aquela coisa de que ele é argentino, fomentada pela televisão nas partidas que são narradas pelo mestre do bordão “olhe o gooolllll”. Maradona, caro Eduardo Galeano, craque mor das letras latino-americanas, jogou, venceu, mijou e perdeu. E usou seu corpo como metáfora do sofrimento que lhe impuseram.

Sim, Maradona foi gênio da pelota, gênio, sim, o que o tornou, sem dúvida, intragável pelos fanáticos da camisa canarinha, sempre reivindicando para nosotros o monopólio da arte de jogar futebol. Maradona afrontou o poder, denunciando os horários desumanos das partidas que atendiam os interesses das televisões nas Copas de 1986 e 1994. O desfecho não podia ser diferente: cilada.

A efedrina, substância que foi encontrada em seu exame de antidoping, não é considerada droga estimulante no esporte estadunidense, mas é proibida em competições oficiais. Houve escândalo e, é claro, arautos da moralidade, como o burocrata da Fifa, Joseph Blatter, que nunca chutou uma bola na vida, disseram que o último craque argentino foi Di Stefano. Com isso, vendaram os olhos do mundo para um dos maiores talentos que o esporte já viu.

Com sangue nos olhos por causa da Guerra das Malvinas, quando a ditadura argentina enviou para as ilhas um bando de rapazes sem treinamento, “calçados com tênis Flecha”, como descreve Maradona, para duelar contra a terceira maior potência militar do globo. “Os argentinos, se pudessem, gostariam de metralhar todo o time inglês”, afirmou.    

Maradona não simpatizava nem um pouco com os gorilas ufanistas que estavam no poder e não tornou a partida, tampouco o gol, uma vendeta patriótica. Embora ele enxergasse ali, en la mano de diós, “um extraordinário sentido de destino”. Durante a Copa de 1986, as articulações de bastidores mostram que ele tem o falta em Messi: coragem.

Faz sentido, e isso é mais do que qualquer comparação esdrúxula saída das páginas de míopes que nunca se emocionaram na explosão de um gol. Maradona, também, ganhou o primeiro Scudetto da história do Napoli. Time do sul da Itália, região que é condenada às fúrias do Vesúvio, gritou efusivamente com o triunfo ante os poderosos do norte branco.

Antes de deixar Nápoles, o São Gennaro, pressionado pela camorra, máfia que manda na cidade, estava jogando contra a vontade e, então, explodiu o incêndio de que o rebelde argentino estava consumindo cocaína. Maldosamente, passaram a chamá-lo de Maracoca e o rotularam de delinquente. Era tudo o que a sombria multinacional do futebol queria.

Mestre da finta, Maradona detém até hoje o recorde de faltas sofridas numa Copa (na do México de 1986) e faltas numa só partida de Mundial (23 faltas contra a Itália, na Copa da Espanha, em 1982). Apanhou muito, era ferozmente cassado em campo. Mas respondia ali mesmo. O peruano Luis Reyna protagonizou um episódio que é difícil de se esquecer. Ele foi incumbido de marcar de perto o craque, e quando Maradona recebeu atendimento fora do campo, o peruano seguiu ao seu lado, fora de campo, e o jogo seguiu.

Gênio, saliento. Dentro e fora de campo, e dane-se a tal da rivalidade argentina que enfiaram em nossas cabeças. Genial e genioso, Maradona é o típico personagem da modernidade capitalista, homem desajustado, contraditório, personifica, na essência da dialética, o conflito. Mas, como todo mestre, soube produzir com sua arte, os pés, beleza de se encher os olhos de lágrimas. Isso em tempos que o futebol já estava tornando-se adepto do resultado, e não da folia. Só que Maradona era rebelde.

Do subúrbio de Buenos Aires, ele foi filho da dificuldade. Certamente isso explique o porquê de tantas subidas e descidas nos graus que a vida e a fama lhe impuseram. Se fosse música, o craque teria de ser o Nirvana, de Kurt Cobain, ou o Alice in Chains, de Jerry Cantrell. Se a pintura fosse retratá-lo, haveria de chamar o comunista, assim como o argentino, Pablo Picasso. Já se a literatura o transformasse em personagem, ele seria escrito por Eduardo Galeano, marxista e humanista, assim como o craque, quiçá Garcia Márquez, também esquerdista.


E, já ia me esquecendo, se Che Guevara, quem Maradona tem tatuado no braço fosse vivo, em gratidão, o arquiteto da Sierra Mestra haveria de desenhar o rosto do ídolo argentino no braço direto. Em gratidão. Por tudo.

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