Diego
Armando Maradona é o cara que curtimos odiar. Claro que há aquela coisa de que
ele é argentino, fomentada pela televisão nas partidas que são narradas pelo
mestre do bordão “olhe o gooolllll”. Maradona, caro Eduardo Galeano, craque mor
das letras latino-americanas, jogou, venceu, mijou e perdeu. E usou seu corpo
como metáfora do sofrimento que lhe impuseram.
Sim,
Maradona foi gênio da pelota, gênio, sim, o que o tornou, sem dúvida,
intragável pelos fanáticos da camisa canarinha, sempre reivindicando para nosotros o monopólio da arte de jogar
futebol. Maradona afrontou o poder, denunciando os horários desumanos das
partidas que atendiam os interesses das televisões nas Copas de 1986 e 1994. O
desfecho não podia ser diferente: cilada.
A
efedrina, substância que foi encontrada em seu exame de antidoping, não é
considerada droga estimulante no esporte estadunidense, mas é proibida em
competições oficiais. Houve escândalo e, é claro, arautos da moralidade, como o
burocrata da Fifa, Joseph Blatter, que nunca chutou uma bola na vida, disseram
que o último craque argentino foi Di Stefano. Com isso, vendaram os olhos do
mundo para um dos maiores talentos que o esporte já viu.
Com
sangue nos olhos por causa da Guerra das Malvinas, quando a ditadura argentina
enviou para as ilhas um bando de rapazes sem treinamento, “calçados com tênis
Flecha”, como descreve Maradona, para duelar contra a terceira maior potência
militar do globo. “Os argentinos, se pudessem, gostariam de metralhar todo o
time inglês”, afirmou.
Maradona
não simpatizava nem um pouco com os gorilas ufanistas que estavam no poder e
não tornou a partida, tampouco o gol, uma vendeta patriótica. Embora ele enxergasse
ali, en la mano de diós, “um
extraordinário sentido de destino”. Durante a Copa de 1986, as articulações de
bastidores mostram que ele tem o falta em Messi: coragem.
Faz
sentido, e isso é mais do que qualquer comparação esdrúxula saída das páginas
de míopes que nunca se emocionaram na explosão de um gol. Maradona, também,
ganhou o primeiro Scudetto da
história do Napoli. Time do sul da Itália, região que é condenada às fúrias do
Vesúvio, gritou efusivamente com o triunfo ante os poderosos do norte branco.
Antes
de deixar Nápoles, o São Gennaro, pressionado pela camorra, máfia que manda na
cidade, estava jogando contra a vontade e, então, explodiu o incêndio de que o
rebelde argentino estava consumindo cocaína. Maldosamente, passaram a chamá-lo
de Maracoca e o rotularam de delinquente. Era tudo o que a sombria multinacional
do futebol queria.
Mestre
da finta, Maradona detém até hoje o recorde de faltas sofridas numa Copa (na do
México de 1986) e faltas numa só partida de Mundial (23 faltas contra a Itália,
na Copa da Espanha, em 1982). Apanhou muito, era ferozmente cassado em campo.
Mas respondia ali mesmo. O peruano Luis Reyna protagonizou um episódio que é
difícil de se esquecer. Ele foi incumbido de marcar de perto o craque, e quando
Maradona recebeu atendimento fora do campo, o peruano seguiu ao seu lado, fora
de campo, e o jogo seguiu.
Gênio,
saliento. Dentro e fora de campo, e dane-se a tal da rivalidade argentina que
enfiaram em nossas cabeças. Genial e genioso, Maradona é o típico personagem da
modernidade capitalista, homem desajustado, contraditório, personifica, na
essência da dialética, o conflito. Mas, como todo mestre, soube produzir com
sua arte, os pés, beleza de se encher os olhos de lágrimas. Isso em tempos que
o futebol já estava tornando-se adepto do resultado, e não da folia. Só que
Maradona era rebelde.
Do
subúrbio de Buenos Aires, ele foi filho da dificuldade. Certamente isso
explique o porquê de tantas subidas e descidas nos graus que a vida e a fama
lhe impuseram. Se fosse música, o craque teria de ser o Nirvana, de Kurt
Cobain, ou o Alice in Chains, de Jerry Cantrell. Se a pintura fosse retratá-lo,
haveria de chamar o comunista, assim como o argentino, Pablo Picasso. Já se a
literatura o transformasse em personagem, ele seria escrito por Eduardo
Galeano, marxista e humanista, assim como o craque, quiçá Garcia Márquez,
também esquerdista.
E,
já ia me esquecendo, se Che Guevara, quem Maradona tem tatuado no braço fosse
vivo, em gratidão, o arquiteto da Sierra Mestra haveria de desenhar o rosto do
ídolo argentino no braço direto. Em gratidão. Por tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário