segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Saudações, mundo

Eu não tinha dinheiro para nada. Nos últimos anos, perambulei de emprego a emprego. Até que resolvei mandar tudo à merda. Decidi que deveria escrever algo. E escrevi uma novela. Transformei-a em conto e enviei a um concurso. Não ganhei. Acharam que o meu texto era obsceno.

Todas as noites sentavam-me em frente ao meu computador, e escrevia. Na maioria das vezes, saíam apenas algumas bagunças e desentendimentos silábicos. Lembrei-me de Bukowski, que cansara de ter seus textos recusados pelos editores.

Mudei-me para a casa de Larissa. Ela saía para trabalhar, pela manhã. Eu cuidava do seu cachorro. Não gosto de cachorros. Prefiro gatos. Eles são misteriosos. Adoro-os, por isso. “Beck, fique a vontade. Escreva. Gosto de te ver a escrever”, disse-me Larissa. Mas ultimamente, não conseguia escrever sequer uma frase simples, com sujeito, verbo e predicado. Então, bebia durante toda a madrugada. Acordava meio-dia, com uma ressaca feroz. Vomitava e levava Richards – o cachorro – para dar uma volta no parque.

- Beck, como vai o romance? – perguntou Larissa.

- acho que nunca vou terminá-lo – respondi.

- mas não pode desistir.

- mas com todos aconteceu isso. Hemingway, Faulkner, Miller. Miller demorou anos para publicar a porra de um romance.

- você precisa escrever.

- eu sei.

- então escreva.

- escrever é foda.

Caminhei até a geladeira. Não havia cerveja lá. Falei a Larissa que iria buscar algo para beber. Ela dissera “tudo bem”.

Eu tinha um Fusca 69, velho. Dei partida e o carro morreu. Morávamos ao lado de uma senhora chata. Ela incomodava-se com o meu carro, que sempre cismava em não pegar. Tentei mais uma vez e nada. O filha da puta não queria funcionar. “pega, seu merda”, gritei. A senhora saiu na janela e tardou a olhar-me. Senti vergonha de ser pobre. Pela primeira vez, em anos, cogitei em procurar um emprego. Mas logo desisti da ideia.

Trajando um roupão e com um seio à mostra, a senhora veio até mim. Bateu no capô do carro, e disse:

- se você não tirar essa lata velha daí, vou chamar a polícia.

- estou tentando fazê-lo funcionar.

- tire esse lixo da frente de minha casa, seu vagabundo.

Finalmente pegou. Andei algumas quadras e o Fusca morreu. Após poucas tentativas, consegui pôr ele para andar.

Comprei duas caixas de cerveja e um uísque. Paguei e fui embora. Retornei a casa, e Larissa estava deslumbrante. Toda nua, pronta para trepar: “Venha garanhão. Quero lhe foder”, impôs. Não pude rejeitar. 
Fodi-a, calma, delicada e cuidadosamente.

Acendi um cigarro. O celular tocou. Ela Ângela:

- oi, Beck.

- oi.

- o quê cê anda fazendo?

- trabalhando em um romance.

- legal. E como está?

- emperrado. Escrevi alguns capítulos e nada.

- queria lhe convidar para beber umas. Tudo bem?

- não vai dar.

- por que não?

- porque estou morando com uma garota.

- como assim?

- simples: juntei-me a ela. Cuido do seu cachorro e quando tenho uma explosão criativa, sento-me ao 
computador e escrevo.

- então tá – e desligou.

Ângela era maravilhosa. Ruiva, olhos vivos e questionadores. Corpo sinuoso, símbolo da perdição. Transei com ela algumas vezes. Mas não havia como dar certo. Eu tinha hábitos noturno e boêmio. Jogava sinuca. 
Vivia no bar, bêbado. Quando voltara para a casa, a cheirar álcool, deitava e dormia. Ela, uma verdadeira máquina de sexo, sentia-se lesada.

- Beck, a janta esta na mesa – avisou Larissa.

Sentei. Estava de frente para ela. Rosto com rosto. Boca com boca. Beijei-a.

- muito obrigado pelo calmante, querida – agradeci.

- não há de quê.

- acho que vou escrever algo.

- legal!

Larissa sempre ficava em êxtase quando eu dizia que escreveria algo. Muitas vezes, frustrava-se com o resultado. Assustava-se com o conteúdo dos contos. “É a vida”, dizia a ela. Porém, não adiantava muito. Ela continuava a achar que meus textos eram sujos.

Eu ficava sozinho a partir das nove da noite. Larissa acordava cedo. Eu é que ficava bebendo até de manhã, enchendo o saco dos vizinhos com música e o barulho das teclas. A velha fórmula sujeito/verbo/ predicado estava fazendo sentido, novamente.


Escrevi, escrevi, escrevi por longas horas. Umas cem páginas foram escritas. Era uma novela. Mundo, saudações! Beck está de volta. 

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