Eu não tinha dinheiro para nada. Nos últimos anos,
perambulei de emprego a emprego. Até que resolvei mandar tudo à merda. Decidi
que deveria escrever algo. E escrevi uma novela. Transformei-a em conto e enviei
a um concurso. Não ganhei. Acharam que o meu texto era obsceno.
Todas as noites sentavam-me em frente ao meu computador, e
escrevia. Na maioria das vezes, saíam apenas algumas bagunças e
desentendimentos silábicos. Lembrei-me de Bukowski, que cansara de ter seus
textos recusados pelos editores.
Mudei-me para a casa de Larissa. Ela saía para trabalhar,
pela manhã. Eu cuidava do seu cachorro. Não gosto de cachorros. Prefiro gatos.
Eles são misteriosos. Adoro-os, por isso. “Beck, fique a vontade. Escreva.
Gosto de te ver a escrever”, disse-me Larissa. Mas ultimamente, não conseguia escrever
sequer uma frase simples, com sujeito, verbo e predicado. Então, bebia durante
toda a madrugada. Acordava meio-dia, com uma ressaca feroz. Vomitava e levava
Richards – o cachorro – para dar uma volta no parque.
- Beck, como vai o romance? – perguntou Larissa.
- acho que nunca vou terminá-lo – respondi.
- mas não pode desistir.
- mas com todos aconteceu isso. Hemingway, Faulkner, Miller.
Miller demorou anos para publicar a porra de um romance.
- você precisa escrever.
- eu sei.
- então escreva.
- escrever é foda.
Caminhei até a geladeira. Não havia cerveja lá. Falei a
Larissa que iria buscar algo para beber. Ela dissera “tudo bem”.
Eu tinha um Fusca 69, velho. Dei partida e o carro morreu.
Morávamos ao lado de uma senhora chata. Ela incomodava-se com o meu carro, que
sempre cismava em não pegar. Tentei mais uma vez e nada. O filha da puta não
queria funcionar. “pega, seu merda”, gritei. A senhora saiu na janela e tardou
a olhar-me. Senti vergonha de ser pobre. Pela primeira vez, em anos, cogitei em
procurar um emprego. Mas logo desisti da ideia.
Trajando um roupão e com um seio à mostra, a senhora veio
até mim. Bateu no capô do carro, e disse:
- se você não tirar essa lata velha daí, vou chamar a
polícia.
- estou tentando fazê-lo funcionar.
- tire esse lixo da frente de minha casa, seu vagabundo.
Finalmente pegou. Andei algumas quadras e o Fusca morreu.
Após poucas tentativas, consegui pôr ele para andar.
Comprei duas caixas de cerveja e um uísque. Paguei e fui
embora. Retornei a casa, e Larissa estava deslumbrante. Toda nua, pronta para
trepar: “Venha garanhão. Quero lhe foder”, impôs. Não pude rejeitar.
Fodi-a,
calma, delicada e cuidadosamente.
Acendi um cigarro. O celular tocou. Ela Ângela:
- oi, Beck.
- oi.
- o quê cê anda fazendo?
- trabalhando em um romance.
- legal. E como está?
- emperrado. Escrevi alguns capítulos e nada.
- queria lhe convidar para beber umas. Tudo bem?
- não vai dar.
- por que não?
- porque estou morando com uma garota.
- como assim?
- simples: juntei-me a ela. Cuido do seu cachorro e quando
tenho uma explosão criativa, sento-me ao
computador e escrevo.
- então tá – e desligou.
Ângela era maravilhosa. Ruiva, olhos vivos e questionadores.
Corpo sinuoso, símbolo da perdição. Transei com ela algumas vezes. Mas não
havia como dar certo. Eu tinha hábitos noturno e boêmio. Jogava sinuca.
Vivia no
bar, bêbado. Quando voltara para a casa, a cheirar álcool, deitava e dormia. Ela, uma verdadeira
máquina de sexo, sentia-se lesada.
- Beck, a janta esta na mesa – avisou Larissa.
Sentei. Estava de frente para ela. Rosto com rosto. Boca com
boca. Beijei-a.
- muito obrigado pelo calmante, querida – agradeci.
- não há de quê.
- acho que vou escrever algo.
- legal!
Larissa sempre ficava em êxtase quando eu dizia que
escreveria algo. Muitas vezes, frustrava-se com o resultado. Assustava-se com o
conteúdo dos contos. “É a vida”, dizia a ela. Porém, não adiantava muito. Ela
continuava a achar que meus textos eram sujos.
Eu ficava sozinho a partir das nove da noite. Larissa
acordava cedo. Eu é que ficava bebendo até de manhã, enchendo o saco dos
vizinhos com música e o barulho das teclas. A velha fórmula sujeito/verbo/
predicado estava fazendo sentido, novamente.
Escrevi, escrevi, escrevi por longas horas. Umas cem páginas
foram escritas. Era uma novela. Mundo, saudações! Beck está de volta.
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